
Um dos fatores que afeta a performance, principalmente durante esportes de endurance, é a desidratação. A perda de fluidos resultante do suor e potencializada em ambientes muito quentes e úmidos, altera a capacidade de termorregulação e também pode gerar prejuízos para a função cardiovascular, comprometendo assim a performance, principalmente quando essa perda ultrapassa 2% do peso corporal. A diminuição do volume plasmático gera um mecanismo de compensação: aumento da frequência cardíaca em uma tentativa de melhorar a entrega de sangue para regiões periféricas que estão sendo altamente recrutadas durante o exercício, gerando desconforto e podendo levar a eventos críticos.
Existem diversas recomendações para o consumo de fluidos durante o exercício e competições para evitar os efeitos deletérios da desidratação. Outra estratégia para tal é promover um estado de hiper hidratação antes do exercício, levando a uma melhor tolerância da perda de fluidos durante a prática. Consumir bastante líquido soa como a maneira mais óbvia de estabelecer a hiper hidratação, porém, uma elevada ingestão hídrica tende a diminuir a produção do hormônio antidiurético e aumentar a diurese. E é aí que entra o uso do glicerol.
O glicerol é um dos metabólitos da quebra dos triglicerídeos e tem a característica de ser um soluto osmoticamente ativo, que é rapidamente absorvido após a ingestão e se espalha pelos compartimentos onde tem água no organismo, como por exemplo, a musculatura esquelética e os vasos sanguíneos. Dessa forma, aumenta a osmolaridade e, consequentemente, a retenção de fluido nesses locais. Logo, o uso de bebidas contendo glicerol facilita a hiper hidratação e a proteção contra os estados de desidratação.
Três diferentes momentos são propostos para o uso do glicerol:
Antes do exercício, para gerar o estado de hiper hidratação: momento no qual há maior número de evidências para sustentar o uso. Recomendam-se doses de 1,2g/kg de peso de glicerol em um volume de fluido de 26ml/kg de peso. Essa estratégia é mais vantajosa quando não há possibilidade de fazer a reposição hídrica durante o exercício, e caso seja estabelecido o estado de hiper hidratação, é necessário ter cuidado com a ingestão de fluidos durante a prática para evitar hiponatremia (redução dos níveis plasmáticos de sódio, nesse caso, resultantes de hemodiluição). Ainda é importante se atentar para realizar a ingestão do líquido com glicerol durante 1 hora, nos 30 minutos anteriores à competição.
Durante o exercício, para evitar a desidratação: essa estratégia deve ser utilizada em exercícios de longa duração (superior a 1 hora e meia), em que a perda de fluidos exceda 2% do peso corporal e, preferencialmente, se o atleta não tiver sido induzido à hiper hidratação antes de iniciar o exercício. Nesse caso, a quantidade recomendada de glicerol é de 0,4g/kg de peso a cada hora, durante as primeiras 4 horas. Depois desse tempo, o ideal é consumir fluidos sem adição de glicerol.
Após o exercício, para auxiliar na reidratação: para repor cada quilo de peso perdido nas competições, orienta-se utilizar 1,5l de fluido. A adição de glicerol no valor de 1g/kg de peso a cada 1,5l de líquido auxilia na reidratação, apesar de essa estratégia ser recomendada apenas quando vai ocorrer outra série de exercícios em um intervalo muito curto de tempo. Caso contrário, a reidratação a partir do consumo adequado de água e alimentos é o melhor caminho.
Alguns estudos buscaram compreender como, além do estado de hiper hidratação, a suplementação do glicerol afeta a performance. O receio de muitos pesquisadores era de que, ao aumentar a retenção de fluidos, o consumo de glicerol gerasse um aumento no peso que resultasse em piora de parâmetros importantes de velocidade e consumo de oxigênio nas modalidades de endurance. Porém, entre os estudos conduzidos nesse sentido, foi observado aprimoramento da performance nesse tipo de prática devido à melhora nos seguintes parâmetros: maior tempo para chegar à exaustão, diminuição de tempo para finalizar o exercício proposto e aumento de força. Vale ressaltar que, apesar de poder apresentar alguns efeitos colaterais como náuseas, desconforto gastrointestinal, efeito laxativo e dor de cabeça, os resultados observados na performance foram benéficos ou nulos, não havendo prejuízos.
Em 2010, a Agência Mundial Antidoping enquadrou o glicerol como uma substância proibida devido ao seu efeito de expansão plasmática, ao promover retenção de fluido no espaço vascular e, consequentemente, um estado de hemodiluição. Dessa forma, seu uso seria capaz de mascarar o uso de substâncias ilegais, diminuindo a sua concentração no sangue a um nível que seja indetectável. Entretanto, em 2018, o glicerol foi retirado da lista de substâncias proibidas e atualmente figura entre os suplementos com nível de evidência A da AIS, Australian Institute of Sports. Isso significa que tem fortes evidências científicas a seu favor no uso especifico para que é designado, é seguro e tem o uso permitido.
O uso deve ser cauteloso, sendo importante testar a estratégia durante os treinos antes de utilizá-la em uma competição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Van Rosendal, S. P., Osborne, M. A., Fassett, R. G., & Coombes, J. S. (2009). Physiological and performance effects of glycerol hyperhydration and rehydration. Nutrition Reviews, 67(12), 690–705. doi:10.1111/j.1753-4887.2009.00254.x
Van Rosendal, S. P., Osborne, M. A., Fassett, R. G., & Coombes, J. S. (2010). Guidelines for Glycerol Use in Hyperhydration and Rehydration Associated with Exercise. Sports Medicine, 40(2), 113–129. doi:10.2165/11530760-000000000-00000
Van Rosendal, S. P., & Coombes, J. S. (2012). Glycerol Use in Hyperhydration and Rehydration: Scientific Update. Medicine and Sport Science, 104–112. doi:10.1159/000341959
Comments